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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Convite


Era intacto o sonho de agora.
Algo como um rebu não usado. Um anel na prateleira. Uma jujuba, no balcão do supermercado.
Todas as palavras já ditas, ela encaixotou e deixou na casa da avó. As palavras não-ditas, ela lembrava, vez ou outra.
Palavras novas: era o que ela tinha agora. Embora estas tivessem os rabiscos, as gotas, as navalhas das de antes...eram novas. Eram outras.
Montava, enquanto ouvia sua música predileta, um novo vocabulário: não hesitar falar do que sente, ser menos impulsiva, usar sandálias mais altas, estudar mais, emagrecer, entrar nas aulas de canto.
Ela se montava. Não sabia, porém, que não podia fazê-lo.
Estranho, não? Como poderia ela estar fazendo algo, que não poderia fazer? Expliquei-me mal. O que ela fazia, até podia fazer, mas não teria êxito agora.
O que ela tentava era, em minutos, construir-se outra, como se ela mesma fosse uma caixinha de fósforos...que você junta aqui, com outra acolá...e transforma em casa, mesa, brinquedo de criança ou sei lá o quê.
Mas, não. Não deixo de dar valor ao ela fazia.
Ela sonhava.
E sonhar é isto: fazer algo, que não se pode fazer ainda na realidade, em outro lugar,  na mente, no coração, na alma...
Sonhar, coloca-nos no ponto onde queremos, desejamos, sem estarmos, de fato, lá.
Sonhar é se montar.
Tentar construir-se em outra situação, como se faz com as caixinhas de fósforos, num piscar de olhos.
Tentar.
Por ora, era só tentativa.
Montar-se assim, como ela fazia, era sonhar.
E o que ela fazia, até podia fazer, mas não teria êxito agora.
O sonho ele só é, se não for.
Sonhos não são.
Sonhos pretendem.
Quando sonhamos, estamos na base do devaneio, do futuro de um dia qualquer...
Era intacto o sonho de agora.
Ela se sonhava outra. Lembrava-se dos erros bobos, do aprendizado, de como queria voltar a tantos lugares, visitar o Rio e fazer mais pelo seu livro, ainda em período experimental.
E sonhava...
Sonhava, puramente, como é todo sonho que se preze. Sem aquela de impossibilidade, desimportância, empeçilhos...
Ela se permitia livre para criar.
Sonhava com letras reais, palavras em verdade, atos mais coerentes.
Sonhava com dias mais profundos, mais aconchegantes, mais vivos...
Não que os de agora não fossem...
Mas, sonhava.
Sonhava em ser mais crítica, mais consistente, menos prolixa, mais leve...
Mais leve, mais leve...
E todo esse sonho de mudança era amparado por um outro...o profundamente esperado.
Era intacto, este sonho de agora.
E ninguém, ninguém o roubava.
Ficava dentro do mais belo pensamento que possuía...
Nem vou dizer aqui...
Porque aí,
Deixaria ele de ser intacto.
É intacto o sonho de agora.
Sonhe.
Convite.

31/08/09

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