
E ela já estava indo pra bem longe de tudo aquilo.
Tudo aquilo tivera sido grande o suficiente, distante o suficiente, esmagante o suficiente.
É a comida doce demais.
É o doce amargo demais.
São as coisas passadas. É o tempo que passou. É o bolo passado do ponto.
É a sola desgastada. Tempo de rever o sapato.
Não, ela não voltaria aos tempos de outrora, pensava. E lhe vinha uma sensação estranhamente confusa. Parecia arroz com passas. Era uma falta de gosto de um lado, misturado com um algo não tão doce, mas, de gosto. E no fim, algo como alho, óleo e cebola.
E ela se encantava de estar assim agora...tão sóbria, tão em si, tão diferente. Antes, era até sóbria e em si, mas sempre igual, sempre igual.
Mudaram até as estações de rádio. O corte do pudim. Aprendera uma forma mais sutil de não bagunçar com o pudim, antes de ele estar no prato. Mudou até o jeito de caminhar. Agora, não havia a lembrança chagada, mas, de vez em nunca, no máximo, a lembrança calma...pequena...quase em morte. A lembrança em cura.
E o que lhe viria agora? Pensava ela, ao caminhar daquela forma, por entre aquelas árvores, daquele jeito desarrumado e atrasado de sempre.
Lembrara de algo que lera em Caio Fernando de Abreu: "Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida. Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás. Não olhava, pois, e, pois não ficava. Completo, partiu".
Estaria ela partindo completa?
Estaria ela partindo mesmo?
Sim.
Ou melhor, sim, para a segunda. Mas, completa...completa, ela não teve certeza.
O que ela deixara atrás? O que de si ficou?
Decerto que ela queria não ter deixado nada; mas, isso não é questão de querer. Deixa-se sempre um rastro de si em tudo. Até no já ido...fica-se o que precisou.
Da tristeza, ela sabe de vez em quando. Da angústia, não mais. Do sorriso, ela sabe muito. E dessa sensação boa de liberdade, ela é expert.
É como se esses passos dela de agora fossem algo como que a distância, o sair, o ir. Ela sabe sim que passos são sempre ir. Mas, veja, aqueles passos eram um ir diferente: um ir de si-igual e partir para um si-diferente.
Mudara.
Ela mudara.
A menina, que chorava solidões pelos cantos, que dava ar de ouro ao metal (ignorantemente), que cantarolava letras suas, que dançava um trance que ela mesmo criara...ela estava prestes a continuar a mesma menina de sempre, mas com um inédito que a faria ser tudo em diferente do que havia sido: o inédito saber.
Ela descobrira que não era pertinente todo aquele dissabor por pouca coisa. E decidira, definitivamente, ir embora e ser feliz. E, certeza ela não tinha, mas havia a sensação que uma coisa estava diretamente relacionada a outra: ir embora e ser feliz.
Parou de pensar e continuou andante. E feliz.
Ainda catarolava canções que só ela sabia.
E dançava desajeitadamente, quando ninguém vinha na rua.
Caminhava.
E ia em direção ao que não sabia, ao certo. Mas, sabia que era preciso continuar. Andar.
Ela já estava indo pra bem longe de tudo aquilo.
Tudo aquilo tivera sido grande o suficiente.
Era tempo de pensar na troca da sandália antiga.
Era tempo de mudar.
E ela mudava.
Não só de passos.
Mas, de vida.
Longe.
17/08/09
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