Páginas

quinta-feira, 28 de abril de 2011

De Música Nova


O senhor a via assim, daquele jeito...como se ela estivesse encantada com tão pouco. Era apenas um livro na prateleira! Mas, o que aquela garota via ali? Ela olhava fixamente para aquele livro velho, capa quase solta e ainda à venda. Somente ele sabia que há anos aquele livro estava ali...desejante de alguma coisa. Mas, como livros não desejam...

- Quanto custa?
Ele teve seus pensamentos aleatórios interrompidos pela pergunta-de-todo-dia.
- R$ 37.
- Hmmm...o senhor faria por R$ 70?
Como assim? pensou ele...
- Como assim?
- Quero comprá-lo por R$ 70.
- Não seria mais fácil a senhorita procurar um que seja desse preço?
- Talvez. Mas, quis experimentar assim, dessa vez...
Experimentar? Do quê essa menina está falando?!
- Experimentar?
- Sim. Posso ou não posso comprar por R$ 70?
- Bem, não!
Respondera, de pronto, mas sem nem ao menos saber, ao certo, o porquê da negação.

- Tudo bem. Adeus.
- Adeus.
Ele quase não reflete acerca disso, mas parou e pensou: Adeus?! Mas, ela nem insistiu?! Agora ele sentia algo como raiva e dissabor...
"Pessoa estranha", pensou.
- Quanto custa?
Logo seu outro pensamento aleatório fora interrompido pela pergunta-de-toda-vez. E isso foi o dia todo, initerruptamente.
[...]
Depois da ultima venda do dia, ele voltou a esta quase-venda. Mas, que raios ele havia feito?! Não queria ele vender? E ela comprar? Por que ele não vendeu e ela não comprou? Ele se percebera tão incoerente...não teria aquela garota o direito de dar mais pelo livro, se ela queria dar mais?! E a paixão com a qual ela olhara o livro?! Por que não tivera ele considerado a paixão? O que ela faria com este livro? E por que ela aceitara, sem insistir, o não que ele tivera dado?! Perguntas agora já tão afoitas de ser respondidas... mas ele tinha certeza que, provavelmente, ele as teria, intactas e irrepreensíveis ainda por muito tempo.

Fechara o cebo. Naquele dia a venda fora tão ruim. Eram muitos "quanto custa?" e poucos "vou levar!". Sem contar, que ele não quis vender.

No caminho para casa, encontrara dona Daise. Senhora astuta, concisa e trabalhadora. Ela vendia bombons deliciosos. Armando os comprava todos os dias. Inclinou-se um pouco, para pegar o dinheiro no bolso da calça-do-dia e vira: estava sem um centavo seu. E não tiraria da venda da loja. Pensou em pedir para pagar mais adiante, no outro dia, quem sabe. Mas, lembrou da não-venda. Ora, se ele não deixara a garota comprar mais caro, queria agora comprar a preço de nada?! Essa analogia, na verdade, nem era tão lógica assim. Mas, esse questionamento de por que não ter vendido aquele livro não lhe deixava o pensamento.
E, o bombom, ele pagaria depois...continuara sua discussão consigo mesmo. E a garota? A garota pagaria na hora e mais dinheiro ainda! Por que ele não havia aceitado?! Aquilo não saía de sua cabeça!

- Se decida, siô...vai um de cupuaçu?
- Não, não...

Não parara de pensar em por que não tivera vendido o livro com o preço acima do normal. Ele sabia. Havia achado muito diferente da parte dela não pedir um desconto, mas um mais-conto. E ele quisera ser igual. O de sempre.

- Não mesmo? Olha que eu fiz esse aqui de...
- Não mesmo, dona Daise. Hoje não.

Hoje não...pensou ele. E seguiu, caminhando. Estava na hora de ele se permitir ser diferente. Pra pagar a igualdade da não-venda, ficou com a diferença do não-bombom.

O livro até hoje paira nas prateleiras daquele cebo-do-homem-que-não-vendeu.

Mas, ao menos, aprendeu.
Agora, está de música nova.
E livros, ainda velhos. Mas, à venda.

[É que a gente insiste em querer que os outros ajam como agiríamos, façam o que faríamos e comprem ao preço que impusemos. De repente, vem a vida, e nos diz que tudo não gira ao nosso redor. Que nem sempre estamos certos em nossas conjecturas. Que nossas intuições falham. E nos joga no meio do abismo. O abismo da mudança. É até um bom abismo, às vezes. Se você precisar, hoje não compre bombons e venda livros ao preço solicitado . Mudar é morango com leite condensado.]
16/09/09

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo (a)! Partilhemos!